Alexandre Papini A expressão dente por dente, olho por olho, ao certo uma das mais antigas que conhecemos – e com todo sentido, pois um dos princípios norteadores do código babilônico de Hamurabi (1.770 a.C.) – há de ganhar contornos de flexibilidade,...
A Pandemia da COVID-19 e seus impactos nos contratos de locação comercial
Izabela Serra Capuchinho; Leonardo de Melo Bernardino. A crise econômica em decorrência da pandemia da COVID-19 ocasionou queda no faturamento de diversos segmentos do mercado, circunstância essa que impactou a capacidade das empresas de cumprir regularmente com suas...
Izabela Serra Capuchinho
Leonardo de Melo Bernardino
A crise econômica em decorrência da pandemia da COVID-19 ocasionou queda no faturamento de diversos segmentos do mercado, circunstância essa que impactou a capacidade das empresas de cumprir regularmente com suas obrigações contratuais. Atentos aos reflexos decorrentes da pandemia do novo Coronavírus no país e à vista das perspectivas incertas geradas pelo cenário excepcional, importante analisar o tema sob a ótica dos contratos de locação comercial.
É de conhecimento público e notório que a pandemia ocasionada pelo novo Coronavírus (COVID-19) vem afetando diversos segmentos da economia, impossibilitando o pleno cumprimento de obrigações contratuais firmadas anteriormente ao surto.
Certo é que, em vista da restrição das atividades sociais e comerciais impostas pelo Poder Público por meio de decretos editados a nível municipal, estadual e federal, vários empresários estão sendo impedidos de exercer suas atividades, o que tem causado vertiginosa redução em suas receitas, repercutindo diretamente nas relações comerciais.
Isso, porque, em decorrência da queda abrupta do faturamento, não há recursos suficientes para o pagamento de todas as obrigações contratuais às quais o empresário se comprometeu em momento anterior à Pandemia.
Do ponto de vista legal, a situação de excepcionalidade ora vivida pode ser identificada pelo ordenamento jurídico como evento de força maior, fato esse que autoriza a prorrogação de prazos na execução de contratos, pagamentos, bem como pode ocasionar a renegociação de valores, garantias e obrigações.
Nos termos do artigo 393 do Código Civil¹, a responsabilidade do fornecedor pelo cumprimento de sua obrigação pode ser afastada, desde que se comprove que o inadimplemento se deu em razão de fato excepcional, alheio à vontade das partes, e que não se pôde evitar ou impedir, como é o caso do novo Coronavírus.
Dessa forma, a pandemia e as medidas governamentais adotadas para a contenção do surto geraram efeitos imprevisíveis aos contratantes, de maneira que podem eximir a parte de arcar com os prejuízos decorrentes da mora, evitando penalidades legais e contratuais.
Ademais, aplica-se ao cenário atual o instituto da onerosidade excessiva, que consiste na alteração do equilíbrio contratual em razão de acontecimento extraordinário e superveniente – que não poderia ser considerado pelas partes no momento da contratação –, resultando na desproporcionalidade das obrigações dispostas a uma das partes.
Uma vez caracterizada a onerosidade excessiva, conforme dispõe o artigo 478 do Código Civil², o obrigado poderá requerer a resolução do contrato, devendo ser reestabelecido o status quo. No entanto, caso a preservação do contrato seja de interesse das partes, a modificação equitativa das condições contratuais pode ser proposta de maneira a restabelecer o equilíbrio das obrigações, consoante dispõem os artigos 479 e 480 do referido Diploma Legal³.
Dessa forma, nos casos dos contratos de locação comercial, à vista de que o locatário se vê impedido de usufruir do imóvel locado, deixando de exercer as faculdades concedidas pelo proprietário do imóvel, por meio do instrumento firmado, verifica-se o desequilíbrio da relação locatícia, devendo, assim, ocorrer a tentativa de mitigação dos prejuízos decorrentes do evento excepcional.
A título exemplificativo, pode ser destacado um contrato de locação de uma unidade comercial em Shopping Center situado em Belo Horizonte – MG. Por força do Decreto n.º 17.304/2020, assinado pelo Prefeito Alexandre Kalil, foram suspensos os Alvarás de Localização e Funcionamento – ALFs emitidos para realização de atividades com potencial de aglomeração de pessoas.
Naturalmente, os Shoppings Centers se viram obrigados a fecharem suas portas aos consumidores, o que impediu, consequentemente, o exercício das atividades dos lojistas que exercem suas atividades no interior dos centros comerciais.
Diante da Pandemia ora tratada, o desequilíbrio contratual se torna evidente, uma vez que, não obstante o contrato de locação firmado entre Shopping e Lojistas atribua a estes últimos a obrigação de pagamento de aluguéis, com a assinatura do citado Decreto, os Lojistas não podem mais desfrutar do imóvel locado para a geração de renda para pagamento de suas despesas correntes (inclusive o pagamento do próprio aluguel).
Tal situação torna necessária a citada modificação equitativa das condições contratuais, com o intuito de restabelecer o equilíbrio das obrigações, ou mesmo possível a resolução do contrato nos termos da Lei Civil.
Cumpre observar que o Poder Legislativo tentando minimizar os impactos econômicos e sociais causados aos locatários em decorrência da pandemia, tem apresentado projetos de lei como iniciativa, como é caso do Projeto de Lei 1.179/2020 de autoria do Senador Antonio Anastasia, que trata do Regime Jurídico Emergencial das relações de Direito Privado no período da pandemia do COVID-19 e propõe, dentre outras medidas, o impedimento de concessão liminar para desocupação de imóvel urbano em ações de despejos ajuizadas a partir de 20 de março de 2020 a 30 de outubro de 2020.
Tal projeto foi aprovado pelo Plenário do Senado Federal e apresentado à Câmara dos Deputados no dia 13 de abril de 2020. Caso seja aprovado pela referida Casa, o texto seguirá para sanção do Presidente da República.
Ressalte-se que o referido Projeto de Lei sofreu alterações, na medida em que estabelecia, também, que os locatários residenciais que sofreram alteração econômico-financeiras em razão da pandemia, poderiam promover a suspensão dos pagamentos dos aluguéis, no período de 20 de março de 2020 a 30 de outubro de 2020, os quais seriam retomados, posteriormente, de forma parcelada, e com acréscimo de 20% (vinte por cento). No entanto, o texto inicial acabou não prosperando, sendo alterado pelo próprio parlamentar, por ter gerado repercussão negativa entre as lideranças dos partidos.
Outra proposta de atenuação aos efeitos do Coronavírus que merece atenção, é o PL 1.744/2020 apresentado pelo Deputado Estadual Alencar da Silveira Jr., que assegura aos locatários de imóveis comerciais situados no Estado de Minas Gerais, o abatimento proporcional de valores de locação em função da interrupção das atividades comerciais.
Além das iniciativas do Legislativo, ante o momento de turbulência e incerteza ocasionado pela crise, já se pode verificar a intervenção do Judiciário nas renegociações de contratos (em sua maioria, nos contratos de locação), como forma de impedir o encerramento prematuro das atividades de empresas viáveis.
Tem-se que, na estrutura de mercado, as empresas são a base para o desenvolvimento econômico e social, razão pela qual foi instituída a Lei 11.101/2005, que regulamenta os Pedidos de Recuperação Judicial e os processos falimentares.
O referido Diploma Legal, em seu artigo 47, evidencia o Princípio da Preservação da Empresa e de sua Função, confirmando a importância da atividade empresária para a criação de empregos, circulação de riquezas e ao desenvolvimento da economia.
Pois bem: buscando trazer maior efetividade à Lei de Recuperação Judicial e viabilizar a análise de situações excepcionais ou peculiares afetas às empresas que precisaram recorrer aos Instituto Recuperacional, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Portaria n.º 162/2018, instituiu Grupo de Trabalho cuja finalidade é contribuir com a modernização e efetividade da atuação do Poder Judiciário nos processos de recuperação judicial e de falência.
Diante das questões excepcionais inerentes à Pandemia da COVID-19, na 307ª Sessão Ordinária do Plenário do CNJ, foi aprovado um pacote de medidas imediatas elaborado pelo citado Grupo de Trabalho, sugerindo a sua adoção, pelos Magistrados, para a condução de processos de Recuperação Judicial de forma a permitir a manutenção de empresas durante a Pandemia.
Atendo-se ao foco da presente exposição, uma das recomendações feitas pelo Grupo de Trabalho foi a avaliação cautelosa, pelo Poder Judiciário, do deferimento de medidas de urgência que possam impactar ainda mais o exercício das atividades da empresa em Recuperação Judicial, tais como, pedidos liminares de despejo por falta de pagamento.
O deferimento de uma liminar de despejo em um momento de redução abrupta da circulação de riquezas no mercado, certamente levaria a empresa já em crise à falência, trazendo prejuízos imensuráveis aos credores dessa empresa, afetando toda a cadeia produtiva (leia-se: empregados, fornecedores e Fisco).
Cumpre ressaltar, no entanto, que por se tratar de cenário evidentemente excepcional, em que se verifica a crise em diversos segmentos (saúde pública, economia, política), o entendimento dos Tribunais vem sendo dia a dia construído, de acordo com a especificidade de cada caso.
Nesse cenário, não obstante os esforços das esferas de poder na minimização dos efeitos da Pandemia, as partes contratantes devem buscar, a princípio, soluções consensuais e provisórias, de forma a atenuar os prejuízos causados pelo novo Coronavírus, evitando a judicialização do conflito, sendo primordial nas tratativas a boa-fé, ponderação, colaboração e cooperação das partes para o equilíbrio das relações e interesses nos contratos firmados.
Frisa-se que as circunstâncias concretas de cada caso devem ser analisadas especificamente, para que os aspectos jurídicos possam ser avaliadas, assim como as medidas necessárias à solução das demandas.
¹Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
²Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
³Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.