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As consequências econômicas da Pandemia da COVID-19 e seus desdobramentos para os Pedidos de Recuperação Judicial

Leonardo de Melo Bernardino; Izabela Serra Capuchinho. A Pandemia da COVID-19 levou à paralisação preventiva de quase todos os setores do mercado nacional, trazendo impactos inevitáveis à economia e à circulação de riquezas. Buscando evitar o colapso financeiro do...

Leonardo de Melo Bernardino
Izabela Serra Capuchinho

 

A Pandemia da COVID-19 levou à paralisação preventiva de quase todos os setores do mercado nacional, trazendo impactos inevitáveis à economia e à circulação de riquezas. Buscando evitar o colapso financeiro do sistema em razão da queda de faturamento das empresas, sobretudo aquelas em Recuperação Judicial, mostra-se necessária a adoção de medidas preventivas para a manutenção do fluxo de caixa e viabilização do pagamento de funcionários e fornecedores, bem como para o cumprimento do Plano Recuperacional, inclusive com a possibilidade de apresentação, aos credores, de um Plano de Recuperação Judicial Modificativo.

A Lei 11.101/2005 prevê, em seu artigo 47¹, o Princípio da Preservação da Empresa e de sua Função Social, atribuindo ao instituto da Recuperação Judicial o objetivo de superação da crise econômica pelo devedor, viabilizando a manutenção da fonte produtora, o emprego de trabalhadores e a satisfação do direito dos credores, de forma a estimular a atividade econômica e contribuir para a circulação de riquezas.

Podem ser vários os motivos a justificar um pedido recuperacional, tais como uma oscilação imprevisível do mercado, resposta negativa do mercado a questões políticas, consequências de uma crise financeira em país receptor de insumos nacionais, queda na demanda por determinado produto ou mesmo a má administração do negócio pelo empresário.

Independentemente dos motivos da crise vivida pelo devedor, mas considerando-se que as empresas, seja qual for o seu ramo de atuação, são a base para o desenvolvimento econômico e social, a Lei de Falência e Recuperação Judicial busca oportunizar ao empresário a tentativa de reestruturação da empresa antes de ser-lhe decretada a falência, uma vez que essa a ninguém aproveita, seja aos credores, empregados, fornecedores ou mesmo ao Fisco.

Apesar das repetidas crises financeiras vividas no mercado brasileiro nos últimos anos, a situação atual frente à Pandemia do novo Coronavírus (COVID-19) acarretou novos impactos econômicos e financeiros a nível mundial, com a paralisação preventiva do mercado em quase todos os setores.

A título exemplificativo, o mercado de transporte (seja ele de passageiros ou de cargas, terrestre, aéreo ou hidroviário) vive uma situação dramática, com mais de 90% do setor afetado  negativamente pela citada Pandemia, pelo que as empresas do ramo enfrentam severo comprometimento de receita para pagamento de despesas correntes² (tais como, mas a eles não se limitando, funcionários, fornecedores e tributos).

Da mesma forma, tem-se a suspensão temporária, por força do Decreto n.º 17.304/2020, assinado pelo prefeito Alexandre Kalil, dos Alvarás de Localização e Funcionamento (ALF) de estabelecimentos que exerçam atividades com potencial de aglomeração de pessoas em Belo Horizonte – MG. Como consequência, tem-se o fechamento de Shoppings Centers, restaurantes e bares na Capital Mineira, afetando diretamente o comércio e a prestação de serviços e, consequentemente, restringindo a circulação de riquezas.

Tal situação levou à inquestionável e significativa queda de faturamento das empresas e estabelecimentos comerciais, queda essa que não é proporcional à redução dos custos operacionais e poderá levar o mercado a um colapso financeiro, ocasionando o desemprego em massa inerente ao encerramento das atividades de diversas empresas, seja pela insustentabilidade do negócio, seja pela decretação de sua falência.

Pois bem: por meio da Portaria n.º 162/2018 do Conselho Nacional de Justiça, foi instituído Grupo de Trabalho para contribuir com a modernização e efetividade da atuação do Poder Judiciário nos processos de recuperação judicial e de falência, grupo esse que é composto por ministros do STJ e do TST, conselheiro do CNJ, desembargadores, juízes e advogados.

Diante das questões excepcionais inerentes à Pandemia da COVID-19, o Plenário do CNJ, na 307ª Sessão Ordinária realizada em data de 31/03/2020, aprovou um pacote de medidas imediatas elaborado pelo citado Grupo de Trabalho, sugerindo a sua adoção, pelos Magistrados, para a condução de processos de Recuperação Judicial de forma a permitir a manutenção de empresas viáveis durante a Pandemia.

Dentre outras recomendações, destacam-se: (i) a análise prioritária de requerimentos de levantamento de valores em favor de credores ou das próprias empresas recuperandas; (ii) prorrogação do stay period previsto pelo artigo 6º, §4º da Lei 11.101/2005, quando necessário o adiamento da Assembleia Geral; (iii) possibilidade de apresentação, antes de eventual convolação em falência, de um Plano Recuperacional Modificativo para adequação dos pagamentos pelo devedor à capacidade de cumprimento das obrigações após a redução do faturamento em decorrência da Pandemia; e (iv) a avaliação cautelosa do deferimento de medidas de urgência que possam impactar ainda mais o exercício das atividades do devedor, tais como, pedidos liminares de despejo por falta de pagamento e prática de atos expropriatórios (busca e apreensão, penhora online e penhoras de faturamento).

As propostas supramencionadas evidenciam a aplicação literal do Princípio da Preservação da Empresa, buscando viabilizar o pagamento de despesas correntes e evitar consequências graves ao mercado, tais como o descumprimento do Plano de Recuperação Judicial, a rescisão de contratos de trabalho, inadimplemento de contratos de locação e a quebra da fonte produtora o que, certamente, trará impactos negativos ainda mais sensíveis à economia, sobretudo em um momento posterior à Pandemia – destaque-se: trata-se de uma crise sanitária decorrente de um vírus totalmente novo, com índice de letalidade significativo, com alta capacidade de dispersão e contaminação e para o qual não foi apresentado uma vacina ou medicamentos eficazes ao seu combate.

Assim, o atual cenário econômico, diante das incertezas quanto à extensão e duração do quadro de isolamento preventivo (que poderá evoluir para uma situação de lockdown), torna necessário o desenvolvimento de meios de sobrevivência para as empresas, em especial aquelas que estão em Recuperação Judicial ou cujo encerramento do processo recuperacional foi decretado recentemente (estando, portanto, em processo de reestruturação financeira).

É exatamente este o propósito do Pacote de Medidas mencionado anteriormente, proposto com o objetivo de reduzir os impactos imediatos das restrições mercadológicas atuais e viabilizar a recuperação da economia nacional de forma mais rápida e com menor impacto à sociedade em geral, respeitando, assim, o Princípio da Preservação da Empresa e de sua Função Social, bem como o Princípio da Busca do Pleno Emprego.


 

¹Lei 11.101/2005, art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

²Vide “Pesquisa de Impacto no Transporte Covid-19”, Diretoria Executiva da Confederação Nacional do Transporte – CNT (www.cnt.org.br)


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